quarta-feira, 20 de maio de 2009

Debate da Petição na Assembleia da República

20 Maio 2009 - A Petição Manifesto Contra o Acordo Ortográfico, com 113 206 assinaturas oficialmente registadas em 10.05.2009 é hoje apreciada e debatida em plenário da Assembleia da República, marcado para as 15h.


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A Petição Contra o Acordo Ortográfico continua aberta e disponível para assinatura.

Assine-a em www.ipetitions.com/petition/manifestolinguaportuguesa

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Relatório Final da Comissão Parlamentar de Ética, Educação e Sociedade da A.R.

O Relatório Final da Comissão Parlamentar de Ética, Educação e Sociedade da A.R., de que foi relator o deputado Feliciano Barreiras, está disponível na integra, em formato PDF, em:
Relatorio Final Peticao 495_X_FBarreiras Duarte.pdf

domingo, 26 de abril de 2009

Vasco Graça Moura - O triunfo da petição

Nos termos legais, a petição contra o Acordo Ortográfico acaba de ser apreciada pela Comissão de Ética, Sociedade e Cultura da Assembleia da República.

Em 8 de Abril, o relatório do deputado Feliciano Barreiras Duarte foi aprovado por unanimidade na reunião daquela Comissão. Para já, esta é uma situação de importantíssimo alcance político, uma vez que "o relator é da opinião que as preocupações e os alertas dos peticionários devem ser tidos em conta, do ponto de vista técnico e político, a curto e a médio prazo" e que essa opinião foi partilhada por todos os membros da Comissão.

Dando razão ao conteúdo e ao significado da petição, praticamente em todos os pontos de fundo suscitados pelos peticionários, o deputado Barreiras Duarte escreve que "o Governo deveria promover e valorizar, ao longo de todo o processo de aplicação do acordo ortográfico, a colaboração e parecer da comunidade científica e demais sectores cujo conhecimento ou actividade são de inegável utilidade".

E diz também: "A reacção da comunidade científica e educativa (…) é preocupante e evidencia a falta de diálogo e a ausência de uma metodologia por parte do Ministério da Educação e do Ministério da Cultura com vista à aplicação do Acordo Ortográfico. O relator considera que a adopção das novas regras ortográficas deve ser antecedida e acompanhada por estudos de especialistas assim como, e tendo em conta a anunciada antecipação, o Governo deve esclarecer, por exemplo, sobre: a elaboração de um vocabulário comum, prevista desde 1991; o calendário e metodologia da implementação do Acordo Ortográfico nas escolas; a alteração dos livros e materiais didácticos e a formação de professores".

Recomenda, por outro lado, que "apesar da alteração introduzida pelo Segundo Protocolo Modificativo não deve ser descurada a ligação entre os oito países que constituem o espaço da Lusofonia, e também da CPLP, em detrimento de relações bilaterais". Esta chamada de atenção é extremamente significativa, tendo em vista a proclamada necessidade de "unificar" a ortografia da língua portuguesa.

Apelando à ponderação razoável, à criação de uma plataforma de entendimento "entre os decisores políticos, os académicos, os linguistas, os escritores e outros protagonistas da área cultural portuguesa", à adopção de um ritmo não acelerado para as soluções a acolher numa matéria como esta, de acordo com o interesse público que está em questão, Barreiras Duarte considera, às tantas, que "a pressa parece ter sido mais uma vez inimiga do bom senso. É que após a sua aprovação [do AO] jurídico-constitucional pouco nada se avançou na sua aplicação e operacionalização em Portugal. Com a agravante de as contradições por parte do Ministério (sobretudo) da Cultura serem cada vez maiores".

Por fim, o deputado relator escreve: "Por tudo isto, muitas das preocupações e sugestões dos peticionários deverão ser tidas em conta, de forma a permitir uma operacionalização e implementação do acordo ortográfico que salvaguarde a melhor defesa da cultura e língua portuguesa.

Esta petição, concordando-se com a totalidade ou só com alguns das suas partes, com os seus objectivos, merece elogio parlamentar positivo, porquanto ao abrigo do Direito de Petição, consagrado constitucional e legalmente, veio contribuir para o debate e para a chamada de atenção de uma matéria de relevante interesse público".

Fiz algumas citações um pouco longas, mas que reputo essenciais. Trata-se de um documento a todos os títulos notável que, aprovado por unanimidade dos membros da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, deverá agora ser apreciado em Plenário. Não haverá votação nessa sede mas, seja como for, o resultado já alcançado em Comissão não pode ser ignorado, sob pena de se esvaziar o próprio conteúdo do direito de petição exercido.

No próximo dia 8 de Maio faz um ano que a petição contra o Acordo Ortográfico foi entregue ao Presidente da Assembleia da República. Contava então 17 500 assinaturas. No momento em que escrevo, vai perto das 109 mil. E prosseguirá. Algum Governo responsável poderá ignorar um fenómeno mobilizador com esta expressão?

Vasco Graça Moura | Escritor | in Diário de Notícias | 22/04/2009

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Descarregue o PDF -
Relatorio Final Peticao 495_X_FBarreiras Duarte.pdf


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Em 26 de Abril de 2009 contabiliza 110.758 assinaturas.

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Reforma ortográfica: mais custos que benefícios

Artigo de Thaís Nicoletti de Camargo
Jornal Folha de S. Paulo, 22/04/2009

A reforma ortográfica apoia-se num documento lacunar e numa obra de referência marcada pela hesitação e pela inconstância de critérios.

MUITO JÁ se falou sobre o Novo Acordo Ortográfico. A frouxidão de argumentos que embasaram a sua implantação, como a suposta necessidade de unificar a grafia da língua portuguesa nos países em que é o idioma oficial, em favor do estímulo ao intercâmbio cultural entre as nações lusófonas e da simplificação de documentos oficiais, já foi suficientemente denunciada.

É certo que o intercâmbio cultural entre os países da chamada "lusofonia" é algo positivo, mas o que pode fomentá-lo são antes políticas de incentivo que a supressão de hifens ou de acentos, cujo resultado prático é apenas anular diferenças sutis que nunca impediram a compreensão dos textos escritos do lado de cá ou do lado de lá do Atlântico.

Se o uso do vocabulário e das estruturas sintáticas, os diferentes significados que alguns termos assumem em cada país, o leque de referências culturais que dão à língua sua feição local, para não falar na concorrência de outros idiomas (no caso das nações africanas e do Timor Leste), são obstáculos relativamente pequenos ao intercâmbio cultural, que dizer de pormenores como hifens e acentos?

A ideia de unificação, que produziu um discurso politicamente positivo em torno do assunto, além de não ter utilidade prática, gera vultoso gasto de energia e de recursos, que bem poderiam ser empregados no estimulo à educação e à cultura.

Não bastasse a inconsequência do projeto em si, o texto que o tornou oficial é tão lacunar e ambíguo que desafiou os estudiosos do idioma tanto no Brasil como em Portugal, fato que levou à produção de dicionários com grandes discrepâncias entre si.

Faltava uma obra de referência, que estabelecesse a grafia das palavras, regularizando os pontos obscuros do texto oficial. Esperava-se que essa obra fosse concebida em conjunto pelos países signatários do Acordo, como fruto de um debate no âmbito do propalado projeto de unificação.

No lugar disso, a ABL (Academia Brasileira de Letras) tomou a dianteira do empreendimento e confeccionou o "Volp" ("Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa"). Em lugar da solução dos pontos ambíguos do texto, o que se viu foi um misto de inobservância de princípios claramente propostos no documento oficial com hesitação entre o novo e o antigo, redundando, em muitos dos casos, em escolhas aparentemente aleatórias.

Se a ABL entendeu que poderia suprimir o hífen de formas como "co-herdar" e "co-herdeiro", em desacordo com o texto oficial, talvez em nome da simplificação, por que esse princípio não presidiu as demais escolhas?

Para ficar num exemplo gritante, por que transformar o verbo "sotopor" em "soto-pôr"? Está no texto oficial, mas isso não parece ser razão suficiente para a ABL. Pior que desmontar uma aglutinação, acrescendo-a de hífen e acento diferencial, talvez seja o fato de que as formas conjugadas do verbo não seguem a grafia do infinitivo (o "Volp" registra "sotoposto").

Ainda pior que isso é a hesitação: criaram-se grafias duplas ("sub-humano" e "subumano"; "ab-rupto" e "abrupto" e até "prerrequisito" e "pré-requisito", entre muitas outras) sem um critério seguro que as afiançasse. A interpretação do sexto artigo da Base XV do Acordo transformou substantivos compostos em locuções por obra da supressão sistemática dos hifens. As exceções, agrupadas sob a rubrica "consagradas pelo uso", são apenas sete no documento oficial, o que, por si só, já dá a medida do absurdo. O conceito é por demais vago, tanto que não garantiu a manutenção pura e simples da grafia "abrupto", esta sim consagrada pelo uso.

A supressão do hífen que separava a forma prefixal "não-" de substantivos e adjetivos não é um recurso facilitador. Diante dos substantivos, não havia dúvida quanto ao seu emprego ("não-índio", "não-agressão" etc.). A distinção entre "dia a dia" (locução adverbial) e "dia-a-dia" (substantivo composto) era útil, afinal, o sistema de distinções favorece a compreensão da gramática da língua.

Melhor trabalho teria sido a regularização do hífen com "bem" e "mal", nem sempre percebidos como prefixos. Louvável ainda teria sido o registro dos principais estrangeirismos em uso na língua, respeitando grafias consagradas em seu idioma de origem, dado que hoje não há tendência ao aportuguesamento.

Sem um objetivo claro e com severas implicações financeiras, a reforma ortográfica apoia-se num documento lacunar e numa obra de referência marcada pela hesitação e pela inconstância nos critérios de regularização. Fica a incômoda impressão de que os custos serão bem maiores que os supostos benefícios.


THAÍS NICOLETI DE CAMARGO , professora de português formada pela USP, é consultora de língua portuguesa do Grupo Folha-UOL. É autora dos livros "Redação Linha a Linha" (Publifolha) e "Uso da Vírgula" (Manole).


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Em 26 de Abril de 2009 contabiliza 110.758 assinaturas.

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terça-feira, 14 de abril de 2009

Acordo Ortográfico: Comissão parlamentar aconselha que se debata petição

Notícia Agência Lusa - 13/4/2009
Acordo Ortográfico: Comissão parlamentar aconselha que se debata petição

Lisboa, 13 Abr (Lusa) - O relatório da Comissão Parlamentar de Ética, Sociedade e Cultura, hoje divulgado, recomenda que o plenário deve "apreciar" a petição contra o Acordo Ortográfico e que algumas das preocupações e sugestões ali referidas devem ser tomadas em conta.

"A presente petição deve ser apreciada em Plenário da Assembleia da República", lê-se no relatório final, elaborado pelo deputado social-democrata Feliciano Barreiras Duarte e aprovado por unanimidade pela Comissão.

A iniciativa do escritor Vasco Graça Moura foi subscrita por 33.053 pessoas. (correcção: 107.321 assinaturas em 13 Abril 2009)

O documento final da Comissão, aprovado por unanimidade, considera, citando a petição, que "o Acordo Ortográfico enferma de vícios susceptíveis de gerarem a sua patente inconstitucionalidade" e pede à Assembleia da República que "tome, adopte ou proponha as medidas julgadas necessárias".

Considera o relator, Barreiras Duarte, que "as preocupações e os alertas dos peticionários devem ser tidos em conta, do ponto de vista técnico e político, a curto e a médio prazo".

Acrescenta Barreiras Duarte que "o Governo deveria promover e valorizar, ao longo de todo o processo de aplicação do Acordo Ortográfico, a colaboração e parecer da comunidade científica e demais sectores cujo conhecimento ou actividade são de inegável utilidade".

Referindo-se à petição, o relator é claro: "Muitas das preocupações e sugestões dos peticionários deverão ser tidas em conta, de forma a permitir uma operacionalização e implementação do Acordo Ortográfico que salvaguarde a melhor defesa da Cultura e Língua Portuguesa".

Afirma o relator que, face à vontade do Governo em acelerar o processo de adopção das novas regras ortográficas, "a reacção da comunidade científica e educativa é preocupante e evidencia a falta de diálogo e a ausência de uma metodologia por parte do Ministério da Educação e do Ministério da Cultura com vista à aplicação do Acordo Ortográfico".

Acrescenta Barreiras Duarte que, "apesar da alteração introduzida pelo Segundo Protocolo Modificativo, não deve ser descurada a ligação entre os oito países que constituem o espaço da Lusofonia e também da CPLP [Comunidade de Países de Língua Portuguesa], em detrimento de relações bilaterais".

NL.

Lusa/Fim


Ligações para notícia:
Público
Expresso
Jornal de Notícias
RTP
Diário de Notícias
Visão
Destak

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A Petição Contra o Acordo Ortográfico continua aberta e disponível para assinatura.
Em 13 de Abril de 2009 contabiliza 107.321 assinaturas.

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Enquanto há Língua, há esperança.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Vasco Graça Moura - 100 201 ASSINATURAS

Pelas 11 horas de Domingo, 1 de Março, era de 100 201 (cem mil duzentas e uma) o número de assinaturas recolhidas pela petição contra o Acordo Ortográfico (http/www.ipetitions.com/petition/manifestolinguaportuguesa/). Nos últimos dias, o ritmo de subscrição desse documento tem vindo a aumentar, fazendo supor que a sociedade civil continua bem sensível ao risco alarmante que a aplicação daquela enormidade envolve para o nosso País e para os que escrevem a língua portuguesa segundo as mesmas normas ortográficas (afinal, todos, salvo o Brasil).

Na verdade, são raríssimos os casos em que um documento posto à subscrição pública recolhe tantas assinaturas. Serão ainda mais raros os casos em que, a despeito desse número tão expressivo, os governantes e demais responsáveis optarão por quedar-se numa indiferença obtusa ante o facto, remetendo-se a um silêncio que tem tanto de comprometedor como chocante. Só é de lamentar que a comunidade académica, salvo honrosíssimas excepções, continue a passar ao lado, como se não fosse nada com ela e não tivesse nada a dizer ou a repetir, quando estão em causa, quer a língua e a maneira correcta de a escrever (ortografia), quer as responsabilidades especiais dos respectivos membros.

O que é mais extraordinário ainda é que a trapalhice oficial continua a imperar nestas matérias, apesar de não se poder ignorar que a Assembleia da República, nos termos legais, terá ainda de tomar posição sobre a petição contra o Acordo Ortográfico. E na área escolar, não foi só o conjunto de piruetas caricatas que rodearam a questão do computador Magalhães, do seu desajustamento pedagógico e da sua promoção demagógica e cheia de falhas; não foi só a série de falsidades escritas e encenadas, com a plena cumplicidade do Governo, com que se tentou fazer passar um relatório sobre a educação em Portugal como sendo da OCDE; não foi só a súbita tentativa de aceleração do prazo de aplicação do Acordo, de seis anos para seis meses, sem que nada o justificasse e sem que vários países o tenham ratificado; não foi só a intempestiva iluminação que parece ter atingido os ministros da Cultura e da Educação apenas porque uma empresa privada engendrou um conversor ortográfico e, pelos vistos, este está a ser utilizado pelo Estado sem abertura de concurso para fornecimento das ferramentas informáticas adequadas; não foi só a inexistência do vocabulário ortográfico imprescindível e exigido pelo próprio texto do Acordo como condição prévia de aplicação; não foi só a ausência total, tanto de estudos como de posições e decisões, da parte do Ministério da Educação e da sua responsável. Há agora uma série de questões práticas.

Com efeito, os editores de livros escolares continuam aflitos e perplexos, à espera de instruções do ministério que não chegam apesar das suas solicitações e insistências, na perspectiva de consideráveis aumentos dos custos de reconversão e de produção de livros e manuais escolares. Em correspondência, o País em geral integra essa outra perspectiva, ainda mais gravosa, de a curto prazo tudo isso se repercutir em considerável acréscimo de despesas para as famílias nestes tempos de crise negra que ainda virá a agravar-se durante longos meses. Assim serão deitados ao lixo muitos milhões de euros, entre os preços pagos pelos novos livros e os valores perdidos pelos que ficam inutilizados. Admira até que certos partidos políticos, tão azedamente susceptíveis em matéria de despesas injustificadas, não tenham começado já a protestar.

E que dizer quanto aos professores? Em que programas e em que calendários vão enquadrar este aspecto da sua acção? Por que livros e manuais vão ter de esperar? De que tempo de preparação vão dispor? Como vão eles haver-se com as inconsistências e erros do normativo de um Acordo que só poderão aplicar dizendo aos seus alunos que, numa série de casos, escrevam como muito bem lhes apetecer porque não há regras, isto é, não há "orto"grafia?!

Tudo isto é uma chuchadeira. Um país que preza verdadeiramente a sua cultura língua e a sua cultura devia sentir e exprimir a mais profunda das vergonhas pelo que está a acontecer. E devia exigir que não seja assim. Mais de cem mil pessoas já o fizeram.

Vasco Graça Moura | Escritor | in Diário de Notícias | 04/03/2009

Crónica de Ricardo Freire no jornal Estadão de S. Paulo

"(...)um idioma que divirja justamente na frase “Eu te amo” não pode ter nenhuma esperança de unificação, falada, escrita ou o que seja.(...)"



Crónica de Ricardo Freire no jornal Estado de S. Paulo
(ligação não disponível, texto em linha no blogue do autor)


Acabo de devorar um livro que é a melhor e mais embasada crítica já escrita ao acordo ortográfico do português. Trata-se de “The Mother Tongue: English and how it got that way” (algo como “A Língua Materna: como o inglês ficou desse jeito), de Bill Bryson, o mesmo do genial “Uma breve história de quase tudo”.

Está bem, está bem: o livro não é exatamente sobre o acordo ortográfico do português. Não foi publicado agora, mas em 1990. E Bill Bryson não deve saber xongas sobre as diferenças entre as variantes do português dos dois lados do Atlântico – nem ao menos que o nosso “Eu te amo”, em solo luso, se diz “Amo-te”.

(Parênteses: na minha modesta opinião, um idioma que divirja justamente na frase “Eu te amo” não pode ter nenhuma esperança de unificação, falada, escrita ou o que seja.)

O que “The Mother Tongue” traz é uma fórmula vencedora de auto-ajuda para toda língua que queira conquistar amigos e influenciar pessoas. E a fórmula que fez do inglês o idioma mais influente do planeta, afirma Bryson, é justamente a sua falta de regulamentação.

Olhe que interessante: o período em que o inglês mais evoluiu foi durante os 300 anos – entre 1066 e 1399 – em que reis normandos mandaram na Inglaterra. Enquanto o francês era a língua oficial da Corte, a patuléia pôde fazer da língua inglesa o que bem lhe aprouvesse. Foi quando os gêneros acabaram abolidos, as conjugações verbais foram simplificadas, e os plurais saxões terminados em “n” e “r” foram naturalmente uniformizados em “s”.

Ao retomar o status de idioma oficial, o inglês moderno estava mais enxuto, mas continuava suficientemente vira-lata para incorporar tudo o que viria a passar pelo seu caminho: o vocabulário deixado pela corte francofônica, os neologismos fabricados pelos elizabetanos e vitorianos, os termos importados das colônias, as estruturas inventadas pelos americanos.

Até hoje ingleses e americanos não têm uma ortografia comum – nem querem ter. Os ingleses seguem o dicionário Oxford, os americanos seguem o Webster – e os dicionários seguem os britânicos e os americanos, registrando as grafias que ocorrem e vingam na vida real.

A ortografia inglesa não faz sentido? À primeira vista, não. Mas se a escrita fosse fonética, como diferenciar “eight” de “ate”, “see” de “sea”?

Eu não perdi as esperanças. Se até o confisco do Plano Bresser está reaparecendo, eu tenho certeza de que ainda vou ter os meus tremas e acentos de volta.

Ricardo Freire, Fevereiro 2009

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Mais de 100 000 assinaturas na Petição Contra o Acordo Ortográfico

A Petição Contra Acordo Ortográfico ultrapassou hoje as 100 000 assinaturas e continua disponível para assinatura em www.ipetitions.com/petition/manifestolinguaportuguesa.

A Petição aguarda ainda o agendamento da sua apreciação em plenário da Assembleia da Repúplica, onde foi entregue em 8 de Maio de 2008.

Assine-a! Enquanto há Língua, há esperança.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Quarta-feira de cinzas

Não estão definidas quaisquer metodologias de aplicação do Acordo Ortográfico nas escolas. Ninguém sabe quais as propostas concretas que terão sido elaboradas para se fazer a transição do actual sistema ortográfico para o próximo. Não há, que se saiba, qualquer estudo realizado por serviços competentes do Ministério da Educação. Não há também qualquer estudo sobre as consequências práticas da aplicação do Acordo no que diz respeito ao ensino de português e das doutras disciplinas. E a ministra da Educação nunca abriu a boca em público sobre estas coisas.

A Assembleia da República aprovou um prazo de seis anos para a entrada em vigor do Acordo. É evidente que não pode improvisar-se nesta matéria. Teria de haver especialistas a estudar, a programar e a fasear uma transição. Não consta que tenham sido nomeados. E teria de ser previsto um dispositivo de avaliação cuidadosa e frequente. Não parece que exista.

E, todavia, para as luminárias de dois ministérios, o da Cultura e o da Educação, parece que basta a existência de um corrector ortográfico da Priberam para o Acordo Ortográfico começar a ser aplicado no ensino! Não em seis anos, mas em menos de seis meses! Com este Governo é assim: faz-se tudo sobre o joelho e o princípio é sempre o mesmo: "Zás! Meia bola e força!"

Sem que tenha sido aberto concurso, aparece uma empresa privada a fornecer ao Estado uma ferramenta informática, ferramenta essa que igualmente não foi ainda nem está para ser, que se saiba, examinada e testada por especialistas.

Diz o ministro da Cultura que ela está a ser testada na Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Fui administrador da IN-CM durante perto de dez anos e nunca me constou que ela fosse um serviço de análise pedagógica ou didáctica dependente do Ministério da Educação.

Diz também o ministro que, com a ferramenta informática FLIP 7, quem escrever em português terá a opção de converter automaticamente o texto segundo o novo Acordo Ortográfico, sejam as normas do Brasil sejam as de Portugal.

O grau de paranóia que nesta matéria atingiu o Governo não lhe permite atentar nesta realidade comezinha: não há conversor que permita escolher entre as várias versões gráficas tornadas facultativas pelo Acordo e portanto todas e qualquer uma delas são susceptíveis de ser utilizadas, pelo facto singelo de todas e qualquer delas constituírem alternativas admitidas como correctas!!! Ter-se-á previsto um sistema aleatório "convertendo" as grafias sem qualquer espécie de critério que não seja o das leis do caos? Ou o conversor imporá inexoravelmente a adopção de uma grafia única nos casos em que o Acordo consagra a facultatividade?

Como escreve António Emiliano, "haverá apenas uma 'norma multiforme', que terá a particularidade de, para além de não ter instrumentos normativos conexos, permitir que se escreva um sem-número de palavras de maneiras distintas sem regra. A palavra que hoje em Portugal se escreve oficial e correctamente 'decepcionámos' passará a escrever-se oficial e correctamente em todos os países lusófonos signatários 'decepcionámos', 'dececionámos', 'decepcionamos' e 'dececionamos'. Presume-se que o 'conversor' apresentará todas as possibilidades, o que tornará o procedimento rotineiro de correcção ortográfica um pesadelo para qualquer usuário".

O mesmo professor tem chamado continuamente a atenção para o facto de o Acordo gerar, "para além do elevado número de grafias duplas, formas com quatro grafias distintas e um conjunto incontável de expressões compostas com oito, 16 e até 32 grafias possíveis, sem oferecer qualquer critério normativo", facto que, acrescenta, "põe em causa a estabilidade das terminologias técnico-científicas", essencial para o desenvolvimento.

Mas então como é que a lição, o manual, o livro de leitura, o auxiliar de estudo vão escolher uma das grafias possíveis? E como é que se vai explicar a docentes e a discentes a razão por que não se opta por qualquer das outras?

Com a TLEBS e com o português de uns ofícios recentes de uma dama que é directora regional de educação do Norte, o Carnaval já tinha chegado à língua portuguesa. Mas é verdadeiramente deprimente a ressaca ortográfica que se vislumbra nesta Quarta-Feira de Cinzas.

Vasco Graça Moura | Escritor | in Diário de Notícias | 25/02/2009


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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

O CANGALHEIRO?

Alguns políticos garantem a tomada de medidas ditas eficazes contra a crise e fingem-se convencidos da chegada próxima de melhores dias. Mas não conseguem afastar um pressentimento de iminência de bancarrota geral e cessação de pagamentos nos seus países, nem a perspectiva de aumento violentíssimo da carga fiscal e de redução de salários na casa dos 20% ou 30% ou, em alternativa, de saída do euro e subida vertiginosa das taxas de juro e do custo de vida, o que viria mais ou menos a dar ao mesmo.

Mas apesar desses tratamentos de choque e de muitos apelos à solidariedade de permeio, nenhum político poderá garantir que as coisas vão melhorar nos próximos anos. Pelo contrário. O catálogo de situações e de países em estado crítico não cessa de engrossar, com a Islândia, a Irlanda, a Letónia e a Grécia à cabeça para já. Chegará a vez da Espanha e só por milagre é que, um dia destes, Portugal não entrará na lista.

Ninguém sabe onde é que tudo isto vai parar. Só pode prever-se que as falências, a degradação do tecido produtivo, o desemprego, a pobreza, a conflitualidade social, o crime, a impotência das autoridades, a insegurança de pessoas e bens, não pararão de crescer e também que, entretanto, se acentuarão fenómenos inquietantes como o proteccionismo e a xenofobia, ao arrepio das declarações políticas. Nestas bolandas em que ninguém confia em ninguém e só a Alemanha parece confiar em si mesma, a União Europeia pode esboroar-se enquanto o diabo esfrega um olho.

Em Portugal, o estado patológico é muito anterior ao eclodir da crise. Silva Peneda acaba de demonstrar, em artigo publicado no JN, que 14 dos 15 principais indicadores económicos e financeiros regrediram entre 2004 e 2009, sendo que a evolução positiva do défice público foi conseguida por aumento da carga fiscal e não por redução da despesa do Estado. E agora vai ser grande a cambalhota quanto ao défice.

Esse tem sido o desvelado contributo do Governo socialista para o progresso e o de-senvolvimento nacionais. Isto é, também não andaremos muito longe da bancarrota, de que talvez nos livre a pertença ao Eurogrupo, embora nada nos livre de um prolongado período das mais negras privações.

É neste quadro negativo de um país que vai a pique, completamente desarmado para fazer face à crise por obra e graça das sucessivas batotas do seu Governo, que o ministro da Cultura vem falar na aplicação efectiva do Acordo Ortográfico, o mais tardar em 1 de Janeiro de 2010, ou mesmo antes.

Não nos detenhamos hoje nas enormidades e aberrações intrínsecas da peça. Em Março de 2008, o Governo previa um prazo de seis anos para tal aplicação (art.º 2.º da Proposta de Resolução 71/X/3) após o depósito do instrumento de ratificação do segundo protocolo modificativo!... Passemos. Não curemos sequer da inexistência do vocabulário ortográfico comum, prevista desde a primeira versão do Acordo como devendo anteceder a sua entrada em vigor.

No tsunami mundial, uma das principais, se não a principal, janelas de oportunidade que restam a um país falido em todos os azimutes como o nosso é a intensificação das relações de cooperação, de investimento, de negócios e de parcerias empresariais com as Repúblicas Populares de Angola e de Moçambique, muito em especial com a primeira.

Nem Angola nem Moçambique ratificaram o Acordo Ortográfico. Ele não se aplica nesses países. Mas é este o momento que o ministro da Cultura escolhe para promover uma aplicação que só vai acarretar as maiores confusões e dificuldades de entendimento e comunicação aos empresários portugueses, aos seus congéneres africanos (note-se: a todos, e não apenas aos editores), bem como às autoridades políticas e administrativas, às escolas e aos cidadãos em geral dos países em questão!

Já era um puro dislate falar-se, como o ministro faz, em evitar a "fragmentação" da língua. Mas ao impor-se essa fragmentação, ao querer-se oficializar a toda a pressa o fosso entre as grafias de Portugal, de Angola e de Moçambique, o dislate transforma-se em perversão e a perversão em encravamento deliberado de um futuro possível.

Porque há-de o ministro da Cultura candidatar-se a gato-pingado do nosso lindo enterro e a cangalheiro oficial da língua portuguesa?


Vasco Graça Moura | Escritor | in Diário de Notícias | 11/02/2009


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segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Brasil: Nova regra de ortografia confunde até dicionários

Notícia Folha Online | 27 de Outubro de 2008 - 09:18
Nova regra de ortografia confunde até dicionários

por RICARDO WESTIN
da Folha de S.Paulo

Faltando apenas dois meses para que as novas regras ortográficas entrem em vigor no Brasil, nem mesmo os especialistas em língua portuguesa conseguem chegar a um consenso sobre como determinadas palavras serão escritas a partir de 1º de janeiro de 2009.

As divergências aparecem nos dicionários "Houaiss" (ed. Objetiva) e "Aurélio" (ed. Positivo), nas recém-lançadas versões de bolso, que já contemplam as mudanças ortográficas. O "pára-raios" de hoje, por exemplo, virou "para-raios" no primeiro e "pararraios" no segundo.

A lista de diferenças continua. A versão mini do "Houaiss" grafa "sub-reptício" e "para-lama". Em outra direção, o novo "Aurélio" traz "subreptício" e "paralama".

Prevendo o impasse, antes mesmo do lançamento dos dicionários, a ABL (Academia Brasileira de Letras) tomou para si a difícil missão de dirimir essas e outras dúvidas. A palavra final da entidade deverá sair apenas em fevereiro, quando as novas regras ortográficas já estiverem valendo.

Confusões

O acordo internacional, assinado em 1990, foi concebido para unificar e simplificar a grafia da língua portuguesa. Certos acentos serão derrubados ("enjoo" e "epopeia"), e o trema será praticamente extinto -só permanecerá em palavras estrangeiras (como "Müller" e "mülleriano").

O que tem sido motivo de apreensão é o hífen.

O acordo está cheio de regras novas --certas palavras perderão o hífen (como "antissocial" e "contrarregra") e outras ganharão ("micro-ondas" e "anti-inflamatório")--, mas deixa buracos.

O texto diz que devem ser aglutinadas, sem hífen, as palavras compostas quando "se perdeu, em certa medida, a noção de composição". E lista meia dúzia de exemplos: "girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista, etc.".

"O problema está justamente no "etc.". Como sabemos que as pessoas perderam a noção de composição de uma palavra? É algo subjetivo", afirma o professor e autor de gramática Francisco Marto de Moura.
Na dúvida, os elaboradores dos dois dicionários consultaram especialistas e chegaram às suas próprias conclusões.

O "Houaiss", por exemplo, achou mais seguro ignorar o "etc." e decidiu que só seriam aglutinadas as seis palavras da lista de exemplos.

"Com essas mudanças, os dicionários precisam sair na frente, já que são as obras às quais todos vão recorrer. Precisam dar soluções. Diante das lacunas, tivemos de inferir", afirma Mauro Villar, co-autor do "Houaiss".

O acordo diz que perdem o acento os ditongos "ei" e "oi" de palavras paroxítonas, como "idéia" e "jibóia". No entanto, existe hoje uma regra que determina que paroxítonas terminadas com "r" tenham acento. O que fazer com "destróier", que se encaixa nas duas regras?

O texto tampouco faz referência ao uso ou à ausência do hífen em formações como "zunzunzum", "zás-trás" e "blablablá".

Pontos obscuros

No início do ano, quando aumentaram os rumores de que as mudanças ortográficas acordadas em 1990 finalmente seriam tiradas da gaveta, a Academia Brasileira de Letras começou a se debruçar sobre os pontos obscuros. Seis lexicógrafos e três acadêmicos têm essa missão.

"Estamos tentando resolver os problemas de esquecimento e esclarecer os pontos obscuros. As interpretações serão feitas com o objetivo de facilitar a vida do homem comum", diz Evanildo Bechara, gramático e ocupante da cadeira 33 da ABL.

As decisões da comissão da ABL estarão no "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa", a lista oficial da correta grafia das palavras.

O término da obra estava previsto para novembro. Por causa do excesso de dúvidas, o lançamento acabou sendo adiado para fevereiro.

Uma vez pronto o "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa", os dicionários de bolso que já incorporaram o acordo ortográfico internacional precisarão ser mais uma vez reeditados, dessa vez com as mudanças definitivas. É por isso que as versões completas do "Houaiss" e do "Aurélio" ainda não foram lançadas.

As novas regras ortográficas começam a ser aplicadas em janeiro de 2009, mas as atuais continuarão sendo aceitas até dezembro de 2012.

A partir de janeiro de 2013, serão corretas apenas as novas grafias.

[Ligação para artigo original ]

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Pasquale Cipro Neto: "Acordo ortográfico é inútil e desnecessário"

Notícia Lusa - São Paulo, 02-10-2008 16:22:39 [ ligação ]

O acordo ortográfico entre os países lusófonos é "inútil e desnecessário" e não terá qualquer influência no papel da língua portuguesa em nível internacional, disse nesta quinta-feira à Lusa Pasquale Cipro Neto, o mais conceituado professor de português do Brasil.(*)

Salientando que a implantação do acordo ortográfico supera "de longe" os eventuais benefícios que dele podem advir, Pasquale Cipro Neto defendeu que o documento não terá "qualquer influência sobre o papel da língua portuguesa no cenário internacional".

"Certamente não é pelos pês e cês que Portugal emprega em 'adoptar' e 'direcção' ou pelas outras minidiferenças entre a grafia brasileira e a lusitana que a Língua Portuguesa não tem projeção no mundo, se é que de fato não tem", salientou.

O professor disse igualmente que o acordo ortográfico entre os países de Língua Portuguesa é "uma grande bobagem, inútil, desnecessário".

"Parece que os responsáveis por ele se esqueceram do que aconteceu com a reforma de 1971, que até hoje não foi totalmente absorvida. Basta ver os cardápios ou 'ementas', em que ainda se lê 'môlho', por exemplo", afirmou.

"Não ficarei surpreso de Portugal não o colocar em prática. Aliás, sonho com isso. Seria maravilhoso se isso ocorresse", realçou.

No Brasil, a reforma ortográfica foi promulgada segunda-feira, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa cerimônia solene na sede da Academia Brasileira de Letras (ABL), no Rio de Janeiro.

O acordo ortográfico entrará em vigor no Brasil a partir de janeiro de 2009, inicialmente nos documentos oficiais.

As mudanças serão adotadas de forma gradual, nos livros escolares, em 2010, sendo obrigatórias a partir de 2012.

Professor desde 1975, Cipro Neto é colunista de diversos jornais brasileiros, autor de livros e apresentador do programa "Nossa Língua Portuguesa", transmitido por emissoras de rádio e de televisão.


(*)Declaração em destaque também no Público de 3/09/2008, pág .17 (ligação não disponível)


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quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Vasco Graça Moura - NÃO QUEREMOS, PURA E SIMPLESMENTE

A audição dos responsáveis pela petição "Em Defesa da Língua Portuguesa", de que sou o primeiro subscritor, teve lugar na Comissão de Ética, Sociedade e Cultura da Assembleia da República no dia 25 de Setembro, em sessão presidida pelo deputado-relator Feliciano Barreiras Duarte.

Num texto que publicou no blogue oficial da petição (http/emdefesadalinguaportuguesa.blogspot.com), Maria Alzira Seixo dá conta do modo como aquela audição decorreu. E nunca será demais encarecer a demolição total do Acordo Ortográfico a que, tanto Jorge Morais Barbosa como António Emiliano, os dois reputados professores de Linguística que com ela e comigo se deslocaram a São Bento, procederam uma vez mais na sessão referida.

Neste momento, o número de signatários da petição de todos os sectores ideológicos, políticos, profissionais e sociais já ultrapassa os 95 mil, o que, apesar do inevitável abrandamento de ritmo ocorrido em período de férias grandes, é extraordinariamente expressivo. É de esperar que as assinaturas continuem a acumular-se e parece evidente que o processo não pode parar até se chegar a um resultado satisfatório.

Por um lado, essas muitas dezenas de milhares de pessoas depositaram a sua expectativa e a sua confiança no bom andamento e no êxito na petição, bem como no empenhamento dos seus promotores. Por outro, não pode ainda considerar-se esgotado o conjunto de possibilidades de ataque ao Acordo Ortográfico, nem no plano analítico e argumentativo, nem no plano das acções a empreender.

Neste momento, o que parece mais adequado é aguardar pela feitura do relatório do deputado Feliciano Barreiras Duarte e esperar que esse documento seja presente ao plenário da Assembleia da República, nos termos legais. Se tudo correr como os seus promotores esperam, o objectivo da petição pode ser conseguido, levando à suspensão do Acordo Ortográfico para fins da sua revisão.

O que neste momento está em apreço não tem nada que ver com o segundo protocolo modificativo que o Presidente da República ratificou há dois meses. Esse protocolo limita-se a estabelecer que a ratificação por três de sete países obriga os restantes quatro. Independentemente do absurdo jurídico e da imoralidade da coisa, temos que continua a não haver notícias de que Angola, Moçambique e a Guiné-Bissau se conformem com tal princípio e muito menos com o Acordo Ortográfico. Decorridos 18 anos, não o ratificaram porque não o querem...

O que está agora em apreço é o próprio conteúdo do Acordo Ortográfico, ratificado em 1991. É a necessidade imperiosa de se proceder à revisão das enormidades e vícios de um documento que nunca se aplicou e uns quantos irresponsáveis continuam a defender. Ora nada impede que o Parlamento se debruce sobre esses problemas, já que, da parte do Governo, não há sinais de a gravidade e o alcance destas matérias terem, sequer, sido compreendidos.

Entretanto, tornou-se patente urbi et orbi que o nosso Presidente da República, bem como o do Brasil e outras individualidades puderam perfeitamente exprimir-se em português nas Nações Unidas, sem qualquer necessidade de Acordo Ortográfico. Isso tornou-se possível porque houve quem pagasse os custos da interpretação, o que foi sempre o único problema...

António Emiliano apresentou provas documentais (manual de estilo da Wikipedia e lista dos Locale ID and Language Groups da Microsoft) de que são consideradas inúmeras variantes ortográficas nacionais em línguas como o inglês, o espanhol ou árabe, o que não lhes impede a projecção mundial. No caso português, a lista da Microsoft apenas considera o português do Brasil (Portuguese-Brazilian) e o português padrão (Portuguese-Standard), isto é, apenas duas variantes contra 15 para o inglês e 20 para o espanhol.

Em Junho, o ministro da Cultura afirmou no Brasil que se o acordo é uma coisa boa, "então que seja o mais depressa possível". Mas acrescentou: "Se é má, então não queremos, pura e simplesmente."

Como o acordo é uma coisa péssima, basta pegar-lhe na palavra e continuar a assinar a petição. Não queremos, pura e simplesmente.

Vasco Graça Moura | Escritor | in Diário de Notícias | 01/10/2008


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quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Maria Alzira Seixo - Informação sobre a Audiência na AR a 25 de Setembro de 2008

Quatro membros da petição «Manifesto em Defesa da Língua Portuguesa» (Vasco Graça Moura, Jorge Morais Barbosa, António Emiliano e eu própria) foram hoje ouvidos na AR, convocados pela Comissão de Ética, na sequência da entrega desse documento em Maio p.p., na altura com 17.300 assinaturas, com entrega posterior de 33.000 após apresentação ao PR.

Dos 38 deputados convidados para a Audiência – número gentilmente fornecida pelo Senhor Secretário da Comissão, que também presidiu à sessão – compareceu um: a Senhora Deputada Teresa Portugal. Esteve também presente, movida por interesse próprio, a Senhora Deputada Isabel Pires de Lima.

O Primeiro Peticionário, Vasco Graça Moura, enunciou os dados da questão e passou a palavra aos especialistas, os professores universitários de Linguística Jorge Morais Barbosa e António Emiliano, que se exprimiram no sentido publicamente já conhecido em várias das suas intervenções, orais e escritas, em entrevistas, em artigos e em volumes, que tiveram especial cuidado em demonstrações de pormenor que permitissem a leigos o entendimento dos problemas da especialidade. Foram também distribuídas 30 pp de fotocópias com informação diversificada, quer no que respeita a exemplos de incongruências, erros e dificuldades resultantes do que aconteceria com a aplicação do Acordo Ortográfico, quer no que concerne a diferenças existentes, no caso do Inglês, nas diversas zonas do globo em que é falado e escrito. As exposições foram, como vem sendo habitual, convincentes, claras e centradas em exemplos que não deixam margem para dúvidas.

Por meu lado, sublinhei aos Senhores Deputados que o meu desapontamento inicial por encontrar uma sala praticamente vazia (sabendo que a maioria dos membros da AR não dispõe dos conhecimentos necessários em matérias linguísticas para poder votar em consciência) se convertera afinal em satisfação, por estar certa que os deputados que nos representam não votam em matérias que não dominam sem estarem devidamente documentados. Depreendi por conseguinte que as ausências só poderiam ser motivadas pelos esclarecimentos de que os senhores deputados já dispunham desde que, há muitos meses, fizemos entrega na sede deste Órgão de Soberania da ampla documentação existente sobre o Acordo Ortográfico, e nomeadamente da dezena de pareceres profissionais e/ou científicos que, na sua totalidade, o rejeitam.

Efectivamente, se uma questão que diz respeito ao património básico da comunidade, como é a expressão da língua sob a forma escrita (que nos formula identitariamente e nos permite fazermo-nos compreender), é condenada pela unanimidade dos pareceres dos especialistas que sobre ela se pronunciaram, como é o caso com o Acordo Ortográfico, não parece existir alternativa ao que propomos, que é a sua suspensão para posterior revisão.

E não se trata aqui de matéria opinativa, como de modo incauto se pode supor. Não se trata de estar ou não estar de acordo com este documento que projecta a normalização da ortografia. Trata-se de verificar que ele propõe, numa matéria especializada, alterações que não estão cientificamente correctas, e que são unanimemente condenadas pelos entendidos, cabendo por conseguinte aos leigos a tarefa de reflectirem sobre os argumentos técnico-científicos que lhes são expostos. E, no caso de alguma preguiça mental (ou, como tem também acontecido: no caso de concepções idílicas de uma panglossia feliz no vasto universo lusófono – e reparem que se diz ‘lusófono’ e não ‘lusógrafo’, pois as escritas, justamente, também entram no leque das várias outras diferenças de expressão – de muito boa gente que acha positivo que se escreva português em toda a parte da mesma maneira, mas que nunca leu o texto do Acordo Ortográfico, e permite-se defendê-lo sem o conhecer!!!), a solução está logicamente em aceitar a decisão dos especialistas.

Uma vez que vivemos em regime de democracia representativa, que, pelo menos desde a Declaração de Filadélfia, segue os princípios do mérito e da competência (e os mais eruditos pensarão nas teses de Tocqueville sobre a democracia americana), não há que duvidar da seriedade dos nossos representantes políticos na AR. Mesmo que alguns lapsos governativos do passado tenham gerado situações delicadas do presente (como a da aprovação sub-reptícia do Acordo Ortográfico em 1991, ou a da ratificação do Segundo Protocolo Modificativo em Maio passado pela AR e promulgada pelo PR – que não ratificou Acordo nenhum, ratificou apenas uma cláusula da sua aplicação), cabe aos membros da AR, uma vez chamada a sua atenção pela consciência cívica de um grupo de cidadãos, que é o que estamos a fazer desde há seis meses, documentarem-se, votarem segundo as ilações que essa documentação os leva a tirar, e emendarem um erro formidável que, a ser aplicado levianamente, lesaria gravemente o património nacional, com consequências negativas a curto e médio prazo – na identidade, no ensino, na cultura, na economia. E mesmo no plano internacional.

A AR tem, deste modo, a oportunidade de corrigir um lapso governativo monumental. Essa oportunidade é-lhe dada por cerca de cem mil cidadãos, que se manifestam na nossa Petição, de modo gradual e contínuo. E quantas petições com este número de assinaturas entraram até hoje na AR, poderão dizer-nos?

Suspenda-se o AO, reveja-se o AO, e, feito isso, poderemos então contribuir todos para a internacionalização DIGNA (sem subserviências nem amputações) da língua portuguesa, que todos desejamos, e que já está a acontecer – faltando apenas a racionalizada política cultural que lhe dê corpo seguro. Porque é a política que deve servir o país e as suas formas identitárias de expressão e manifestação, como a língua e a cultura – e não o contrário, como só sucede com os governos totalitários!

A população portuguesa, que em grande parte se tornou pessimista quanto à actuação dos seus governantes, saberá compreender a oportunidade e o alcance das atitudes que forem tomadas na AR, e não deixará de se manifestar em conformidade pelos meios ao seu alcance e nas ocasiões que considerar oportunas.

Confiamos, pois, no merecimento, na reflexão e na seriedade dos nossos deputados, e ficamos aguardando o plenário em que de novo a questão do Acordo Ortográfico venha a ser considerada.

Em 25 de Setembro de 2008

Maria Alzira Seixo


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A Petição Contra o Acordo Ortográfico continua aberta e disponível para assinatura. Conta hoje com 95 601 assinaturas.

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Audição Parlamentar da Petição Manifesto Contra o Acordo Ortográfico

Está marcada para as 14h00 de hoje, dia 25 de Setembro de 2008, a Audição Parlamentar da Petição Manifesto em Defesa da Língua Portuguesa Contra o Acordo Ortográfico, na Comissão de Ética, Sociedade e Cultura da Assembleia da República.
Àquela Audição irá uma delegação de peticionários composta pelo primeiro subscritor da Petição, dr. Vasco Graça Moura, acompanhado pelos senhores professores doutores Maria Alzira Seixo, Jorge Morais Barbosa e António Emiliano.

A Petição Contra o Acordo Ortográfico conta já com mais de 94 000 assinaturas e continua aberta e disponível para assinatura, aguardando-se ainda o agendamento da sua apreciação em Plenário da Assembleia da República, nos termos da Lei.

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quarta-feira, 30 de julho de 2008

António Emiliano - AS CONTAS E OS NÚMEROS DO ACORDO ORTOGRÁFICO

O único documento oficial favorável ao Acordo Ortográfico de 1990 (AO) que se conhece é a "Nota Explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990)" (anexo II do AO). Essa Nota contém, para além de múltiplas deficiências técnicas, lacunas graves: menciona estudos preliminares que ninguém viu e que não estão disponíveis, e refere dados quantitativos que ninguém pode verificar.

A Nota Explicativa defende, nomeadamente, o baixo impacto das mudanças ortográficas através de percentagens (menos de 2% de palavras afectadas pelo AO) calculadas a partir de uma lista de 110 mil palavras (de estrutura e composição desconhecidas) pertencentes ao "vocabulário geral da língua", ignorando a) as frequências das palavras, b) as formas flexionadas das mesmas e c) a possibilidade de todas as palavras afectadas formarem combinatórias com outras, i.e., termos complexos, designações complexas, etc. É uma avaliação desprovida de método rigoroso e de base científica séria: a consideração eventual das frequências, das flexões (cada verbo tem mais de cinquenta formas distintas), das prefixações (atestadas e virtuais) e das combinatórias alterará radicalmente os números do impacto ortográfico do AO.

O Governo fez discretamente consultas em 2005, solicitando através do Instituto Camões pareceres a várias instituições: dois pareceres, o do Instituto de Linguística Teórica e Computacional e o da Associação Portuguesa de Linguística (APL), foram tornados públicos aquando da audição parlamentar de 7/4/2008. São pareceres negativos que apontam deficiências graves ao AO. A APL recomenda a suspensão do processo em curso e a não aprovação do 2.º Protocolo Modificativo. Estes pareceres foram tornados públicos, note-se, pelos autores, não pelo Instituto Camões ou pelo Governo. Um requerimento da deputada Zita Seabra permitiu recentemente o conhecimento de todas as entidades contactadas em 2005 e dos pareceres obtidos: há um parecer do Departamento de Linguística da Faculdade de Letras de Lisboa muito negativo, com as mesmas recomendações do parecer da APL, e outro da Academia da Ciências de Lisboa, defendendo a aplicação do AO, redigido por Malaca Casteleiro (MC), autor do AO (!).

No parecer de 2005, MC afirma que "a Academia das Ciências de Lisboa, através do seu Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa, está preparado e disponível para efectuar, num prazo de seis meses, uma primeira versão do referido Vocabulário [Ortográfico], com cerca de quatrocentas mil entradas lexicais".

É informação inédita que não se conjuga facilmente com factos públicos:

1) os argumentos quantitativos de 1990 a favor do AO basearam-se numa lista de 110 mil palavras da Academia das Ciências;

2) o Dicionário da Academia de 2001, coordenado por MC, tem ca. 70 000 entradas;

3) MC foi substituído em 2006 na presidência do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Academia na sequência da elaboração de dicionários "conformes ao AO" publicados (em 2008) pela Texto Editores, Novo Grande Dicionário da Língua Portuguesa com ca. 250 000 entradas e Novo Dicionário da Língua Portuguesa com ca. 125 000;

4) MC é responsável por um projecto aprovado em 2006 pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia - Dicionário ortográfico e de pronúncias do português europeu (PTDC/LIN/ /72833/2006) - financiado com 70 000€€, com o qual se "pretende o desenvolvimento do primeiro dicionário ortográfico e de pronúncias para cerca de 150 mil lemas do português de norma europeia, que deverá constituir uma ferramenta linguística de referência a nível ortográfico, morfológico e fonético" (informação do sítio web da FCT).

Havendo informação objectiva que associa um dos principais autores do AO a listas de palavras de dimensões e composição distintas - - 110 mil palavras em 1990, 125 mil em 2008, 150 mil em 2006, 250 mil em 2008 e 400 mil em 2005 - pergunta-se:

a) qual das listas é a mais fiável?

b) qual a credibilidade dos argumentos de 1990 baseados numa lista de 110 mil palavras?

c) como é possível o autor do AO apresentar no espaço de três anos vocabulários tão díspares?

d) por que razão, em resposta a consulta do Governo, MC declarou em 2005 poder apresentar em seis meses um vocabulário de 400 mil entradas mas em 2006 recebeu da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (ou seja, do Estado) financiamento de 70 000€€ para realizar em três anos um vocabulário com 250 mil palavras?

Algo não bate certo nestes números, que requerem, naturalmente, explicações.

António Emiliano | Linguista e filólogo | Universidade Nova de Lisboa
publicado in Diário de Notícias | 25/7/2008

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sábado, 26 de julho de 2008

João Roque Dias - Que as comam eles!

Numa terra cujo nome não vem agora ao caso, havia – sempre houve – uma mercearia. O proprietário do estabelecimento, o Sr. António, sempre danado para o negócio, oferecia aos seus clientes de tudo e do melhor que podia encontrar. E se havia algo que levava os fregueses a fazerem bicha à sua porta, era o chouriço. Aquele chouriço que vinha direitinho das matanças de outras terras, todas vizinhas da sua mercearia. Era chegar e andar, que os fregueses não o deixavam ficar nas prateleiras por muito tempo. Depois, acho que por causa de um "brasileiro" que por lá viveu, o Sr. António começou também a vender "linguiça brasileira". Coisa fina. Diferente, mas também muito apreciada. Afinal, o pessoal do outro lado do mundo aprendeu a fazê-la com as receitas antigas de gentes das terras do lado de cá, a que foram acrescentando os seus gostos. Diferente, sim, mas com bom tempero. O Sr. António dizia até que só não vendia petróleo de Angola em garrafas, porque não o deixavam...

Com o negócio a medrar, o nosso merceeiro resolveu diversificar a oferta e, em espaço bem arranjado, abriu um restaurante. A Florência, cabo-verdiana de nascimento, mas portuguesa no coração e nos papéis, tomou conta da cozinha. Foi mais uma roda-viva lá na terra. Nas mesas sempre cheias comia-se, lado a lado, bacalhau com todos a preceito, cachupa de chorar por mais, moamba de lamber os dedos, picanha assada no melhor ponto e, para as sobremesas, a genial cozinheira preparava um leite-creme de fazer corar os anjos, mas também coisas que desencantava noutras paragens, como as cocadas do Brasil.

Um dia, acho que por inícios dos anos 90 do século passado, sem que se saiba bem porquê, alguns cozinheiros de países onde se fala e escreve o português – de modo tão variado como a comida que por lá se come – sentaram-se à mesa com o firme propósito, asseguravam eles, de uniformizar, por meio de um miraculoso acordo, o aspecto das comidas desses países. Foi o desassossego! Para acalmar os que não acreditaram em tal propósito (há sempre os "saudosistas" da comida tradicional), os cozinheiros-acordistas juraram piamente que só o aspecto dos pratos iria ser uniformizado, que não, que o sabor continuaria a ser o de cada um, que sim, que cada um poderia continuar a cozinhar com os seus próprios ingredientes, que obviamente, os cozinheiros artísticos poderiam continuar a empratar como quisessem, que, evidentemente, a coisa era absolutamente necessária para inundar o mundo inteiro com a comida portuguesa (então as pizzas italianas e os hambúrgueres americanos não o tinham feito?) e para as criancinhas (de 6 ou 7 anos, esclareceram até os cozinheiros-acordistas) poderem escolher mais facilmente os pratos nas ementas ilustradas das cantinas escolares e que a coisa se impunha mesmo, porque nos refeitórios das Nações Unidas andava tudo louco (juravam eles...), porque os portugueses e os brasileiros insistiam em pedir pratos diferentes, apesar de confeccionados com ingredientes muito parecidos, que o novo aspecto, depois de uniformizado, iria abrir as portas a uma política gastronómica a sério, e que não, que ninguém queria mudar os pratos, mas apenas o seu aspecto exterior, e porque sim, que sim, e porque sim senhor. Os que não viam na coisa vantagem, ou até piada alguma, continuavam a querer comer bacalhau a parecer bacalhau, picanha com cara de picanha e moamba que, só pelo aspecto, só podia ser moamba! Diziam até que o aspecto da comida faz também parte do seu paladar e que os olhos também comem! E avançaram com pareceres de gente entendida em coisas de comer a dizer que a ideia era disparatada. Qual quê? Alguns adeptos da nova salgalhada gastronómica começaram a chamar-lhes até “fundamentalistas” e “salazaristas”! Os cozinheiros-acordistas da tal comida de fusão, toda nouvelle, perderam a cabeça e, um a um, com os passaportes bem levantados acima das suas cabeças, gritaram, numa patética e ridícula profissão-de-fé: nós não somos os donos da comida! Nós não podemos obrigar (como se alguém alguma vez tivesse obrigado alguém...) os brasileiros a comer chouriço português, os portugueses a comer linguiça brasileira, os timorenses a comer galinha à moçambicana e os cabo-verdianos a comer moamba angolana. Temos que fundir isto tudo em pratos de aspecto unificado, em que todos os de fora podem mexer na panela de cada um dos de dentro. E até arranjaram uma regra muito simples (números sempre são números, não é?): quem tiver mais pessoas à mesa fica com o direito de mandar na cozinha de todos os outros! Quando passaram tudo a escrito, sim, que estes cozinheiros-acordistas gostam de escrever, sob o título “Acordo Gastronómico da Comida Portuguesa" a regra ficou ainda mais clara: quando a comida brasileira era diferente da portuguesa, os pratos poderiam, facultativamente, ser confeccionados à moda brasileira ou à moda portuguesa; mas quando a comida portuguesa era diferente da brasileira, os pratos teriam que ser apresentados à moda brasileira. Sobre a comida dos outros países, o acordo era mudo, cego e paralítico: que comessem a comida feita nas cozinhas brasileiras e portuguesas, para, depois, quem sabe, poderem olhar orgulhosos para a expansão de uma comida que, não sendo só deles, também podem chamar deles. Na regra dos milhões, os que são mais podem mexer nos tachos de todos. As virtualidades desta mixórdia repelente à vista e sensaborona na boca não são claras para ninguém, mas têm uma vantagem: como o Brasil quer um lugar de cozinheiro nos refeitórios das Nações Unidas, sempre se pode candidatar com um livro de receitas de “comida lusófona unificada”. Os outros países do mundo, que sempre gostaram de provar os sabores de todos nós, hão-de admitir o candidato para confeccionar a nova comida “fundida”, defendem os cozinheiros-acordistas! Sem esquecer, claro, a outra vantagem, essa mais domesticamente lusófona: acaba-se com as casas de pasto e os talhos que os portugueses mantêm cordatamente nos outros países que comem português e substituem-se por botequins e açougues brasileiros. Sim, dizem os cozinheiros do acordo, que isto não é só vosso e "eles" são muitos milhões a mais...

Na mercearia do Sr. António (o pobre anda até a pensar mudar a tabuleta da loja para Antônio, para não perder o trem da grande expansão do negócio que lhe prometeram...) vende-se agora uma “chouguiça” desenxabida, talvez por causa dos temperos tropicais, como manda a lei dos cozinheiros-acordistas! A cozinheira Florência está a dar em doida: tem que cozer a chanfana em leite de coco e servi-la com tucupi, a moamba tem que a fazer com óleo de oliva, os panados são agora preparados com farinha de rosca, a cachupa deve parecer-se com o cozido à portuguesa-moda-do-Recife e as sobremesas têm que levar sempre um toque de leite moça. O António e a Florência não perceberam ainda é como é que esta nova comida travestida e de fusão lhes vai aumentar o negócio a nível internacional e andam seriamente preocupados com os quase 100 000 comensais portugueses, outrora fiéis da boa mesa portuguesa, brasileira, cabo-verdiana, angolana, moçambicana e macaense, que já declararam que não irão pôr mais os pés no novo restaurante! Comidas daquelas? Que as comam eles!

João Roque Dias | Tradutor (CT)
www.jrdias.com


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sexta-feira, 25 de julho de 2008

Sophia, no dia em que Portugal assume a Presidência da CPLP

COM FÚRIA E RAIVA

Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada

De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra

Junho de 1974


A PALAVRA

Heraclito de Epheso diz:

«O pior de todos os males seria
A morte da palavra»

Diz o provérbio do Malinké:

«Um homem pode enganar-se em sua parte de alimento
Mas não pode
Enganar-se na sua parte de palavra»

Sophia de Mello Breyner Andresen
Obra Poética III, O Nome das Coisas, Ed. Caminho, pág.199 e 210

Contribuição de Maria José Abranches, por e-mail

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quarta-feira, 23 de julho de 2008

Vasco Graça Moura - NÃO!

É possível que o Presidente da República não tivesse outro remédio formal que não fosse o de ratificar o segundo protocolo modificativo do Acordo Ortográfico.

Mas acontece que o Presidente da República é hoje o único alto responsável político português que tem plena consciência de que o Acordo Ortográfico é um deprimente chorrilho de asneiras. E de que a sua adopção introduzirá um cancro incurável na ortografia da língua portuguesa.

O Presidente da República está ciente de tudo isso por ter mandado estudar a abundante documentação que lhe foi entregue oportunamente, coisa que, de resto, o Governo não fez e devia ter feito.

Sendo que todas as análises especializadas produzidas sobre o Acordo são profundamente negativas, criar condições para que ele entre em vigor, sem se promover uma sua revisão de fundo, gera uma gravíssima responsabilidade jurídica, moral, política, cívica e cultural que não pode ser escamoteada por ninguém e a que o Presidente da República não pode fugir.

A ratificação vai ainda tornar possível a sequência delirante e já anunciada pelo ministro da Cultura de ser promovida a aplicação do Acordo em Portugal, independentemente do que resolverem Angola, Moçambique e a Guiné-Bissau, mais uma vez contra o parecer dos especialistas mais abalizados.

Decorridos 18 anos sobre a enormidade e, entre o desuso, o desinteresse, a obsolescência e a verificação gritante da péssima qualidade do Acordo, não há razão nenhuma para acelerações e muito menos para o Governo português decidir aplicá-lo antes de Angola, Moçambique e a Guiné-Bissau o terem ratificado, o que, aliás, oxalá não façam nunca...

Ao contrário do que diz o ministro da Cultura, não é o Governo que decide quando o aplica em Portugal, dado o contexto em que toda a questão se coloca. Toda a lógica da situação obriga a que Portugal não se comporte com voluntarismos caprichosos de dono pesporrente da língua. E recomendaria a qualquer decisor político de boa-fé se aproveitasse o tempo ainda disponível para se promover uma revisão imprescindível.

Mas entretanto, o Governo tentará comprometer pessoalmente o Presidente da República com toda esta situação vergonhosa, já que o Acordo Ortográfico foi subscrito em 1990 quando o prof. Cavaco Silva era primeiro-ministro. Simplesmente, há indícios de a chefia do Governo da época ter sido grosseiramente manipulada.

António Emiliano acaba de publicar na Guimarães Editores o livro O Fim da Ortografia - Comentário Razoado dos Fundamentos Técnicos do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).

Aí afirma, quanto à Nota Explicativa, única peça oficial em que se fundamenta o Acordo, que "com documento tão desconchavado, tão imperfeito e tão lacunar, nenhum decisor político está ou esteve em condições de apreciar verdadeiramente o teor e as consequências da reforma".

E acrescenta: "É meu parecer profissional que o texto da Nota Explicativa peca não apenas por conter erros grosseiros de análise linguística e de apreciação da estrutura, natureza e funcionamento de um sistema ortográfico, mas também por induzir deliberadamente em erro os decisores políticos quanto à verdadeira extensão das mudanças ortográficas propostas."

De resto, António Emiliano não se limita a demonstrar que o Acordo Ortográfico é um conjunto calamitoso de erros inaceitáveis.

Indo mais longe do que quaisquer outros estudos academicamente qualificados que já aqui citei mais do que uma vez, este livro demolidor interpela o sentido de responsabilidade de todo e qualquer falante do português euro-afro-asiático-oceânico.

Da sua análise implacável resulta que se está perante um verdadeiro crime contra a língua portuguesa.

Ante todo este escândalo, a sociedade civil não pode cruzar os braços. Tem de insistir no seu protesto. Tem de engrossar o caudal das suas tomadas de posição. Tem de assinar maciçamente a petição/manifesto que corre na Internet. Tem de começar a enviar sms para todos os lados, dizendo que o Acordo Ortográfico é uma vergonha nacional. Tem de provocar a revisão dessa enormidade. Tem de afirmar em todas as ocasiões que não o aceita e se recusa a dar-lhe cumprimento.

Vasco Graça Moura | Escritor | Diário de Notícias | 23/7/2008

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Assine a petição em www.ipetitions.com/petition/manifestolinguaportuguesa.
Enquanto há Língua, há esperança.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Presidente da República promulgou Acordo Ortográfico

Notícia Lusa / Público: Cavaco Silva promulgou Acordo Ortográfico
(21.07.2008 - 13h00 Lusa)

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A petição Manifesto Em Defesa da Lingua Portuguesa Contra o Acordo Ortográfico continua aberta, em linha e a receber assinaturas, em www.ipetitions.com/petition/manifestolinguaportuguesa.

Contava à data da notícia da promulgação do Acordo com 87 742 assinaturas, recolhidas em pouco mais de 2 meses. Ficará aberta e a recolher assinaturas contra a implementação deste Acordo durante todo o período transitório (seis anos), se for necessário.

A petição aguarda o agendamento da sua apreciação em plenário da Assembleia da República, nos termos da Lei.

Assine-a em www.ipetitions.com/petition/manifestolinguaportuguesa.
Enquanto há Língua, há esperança.

domingo, 20 de julho de 2008

Acordo Ortográfico: Ministro da Cultura recebeu críticos

Notícia Lusa/Expresso
«Acordo Ortográfico: Ministro da Cultura recebeu críticos
Lisboa, 18 Jul (Lusa) - O ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, recebeu hoje um grupo de signatários da petição contra o Acordo Ortográfico, uma reunião considerada pelas duas partes como "cordial".

19:50 | Sexta-feira, 18 de Jul de 2008
Lisboa, 18 Jul (Lusa) - O ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, recebeu hoje um grupo de signatários da petição contra o Acordo Ortográfico, uma reunião considerada pelas duas partes como "cordial".

"Foi um encontro que decorreu numa atmosfera de grande cordialidade e de compreensão recíproca" disse à Lusa Vasco Graça Moura, primeiro signatário da petição, no final do encontro.

"Foi uma troca de impressões muito leal, correcta e cordial", resumiu o ministro da Cultura.

Mas, após uma hora de reunião, as duas partes reafirmaram os seus pontos de vista, com a delegação constituída por Graça Moura, António Emiliano e José Nunes a reiterar as suas reservas face ao Acordo Ortográfico e o Governo a defendê-lo.

Os signatários da petição entregaram ao ministro um dossiê com vários pareceres contra o Acordo Ortográfico, documentos que já tinham sido entregues ao Presidente da República, à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a todos os países que fazem parte desta.

"Temos esperança no bom-senso dos titulares dos órgãos de soberania", afirmou o escritor, adiantando esperar que haja a compreensão destes para as "terríveis implicações do Acordo".

"O texto do chamado Acordo sofre de inúmeras imprecisões, erros e ambiguidades - não tem condições para servir de base a qualquer proposta normativa", considera a petição que já deu entrada na Assembleia da República, onde deverá ser discutida na próxima sessão legislativa, aguardando ainda agendamento.

Os peticionários entendem que o Acordo Ortográfico, alcançado em 1990, deve ser revisto e negociado, e pedem a suspensão da sua aplicabilidade independentemente da ratificação do protocolo modificativo de 2004.» (ler notícia completa)

sexta-feira, 18 de julho de 2008

MINISTRO DA CULTURA RECEBE SIGNATÁRIOS DA PETIÇÃO CONTRA O ACORDO ORTOGRÁFICO

Um grupo de signatários da PETIÇÃO MANIFESTO EM DEFESA DA LÍNGUA PORTUGUESA CONTRA O ACORDO ORTOGRÁFICO (que desde 2 de Maio recolheu já mais de 87.000 assinaturas), constituído por Vasco Graça Moura, António Emiliano e José Nunes será recebido pelo Ministro da Cultura esta sexta-feira, dia 18 de Julho de 2008, em audiência marcada para as 15h30, no Palácio da Ajuda.

Os signatários farão entrega de um dossier em CD-ROM com documentação relevante, contendo diversos pareceres contra o Acordo Ortográfico, alguns dos quais inéditos. Estes mesmos documentos foram já entregues a Sua Excelência o Senhor Presidente da República no passado dia 2 de Junho, à CPLP e a todos os países da CPLP, mediante entrega protocolar nas respectivas Embaixadas em Lisboa.

A maioria dos pareceres estão disponíveis para consulta no blogue oficial da petição, secção "Documentos".

A petição, que vai agora a caminho das 100.000 assinaturas, foi já admitida na Assembleia da República e aguarda o agendamento da sua apreciação em Plenário, nos termos da Lei, continuando disponível para assinatura em www.ipetitions.com/petition/manifestolinguaportuguesa.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Ricardo Migueis - Economia e língua

Não é a economia que anda a cavalo na língua, é a língua que anda a cavalo na economia. Economiza-se e facilita-se na língua para que se fale melhor economia. É assim que se define o argumento base dos acordistas, senão veja-se a entrevista do Ministro da Cultura no Jornal Expresso desta semana.

Mais uma vez, em nenhum momento, houve uma referência à língua enquanto expressão rica de identidades e povos, nem às alterações impostas pelo AO e em que medida estas contribuem para melhorar ou piorar a vida quotidiana de quem usa a língua para comunicar pela oralidade e pela escrita (todos…). Muito menos foi analisado o impacto em sectores específicos, como no ensino e no papel do professor da escola primária ou secundária, ou na aprendizagem dificultada pela incoerência acordista. Tal qual um crente na vidência, ou um lutador que baixou as luvas, acredita-se simplesmente que Portugal já não tem trunfos. O Brasil é o grande país da cena internacional de amanhã e como já se acabou a época de ouro do investimento directo português no Brasil, usemos a língua. Como se o acordo fosse ajudar a agarrarmo-nos aos calcanhares de um país tão diverso… como se o impacto do AO fosse miraculosamente fazer o Brasil virar os olhos para Portugal como se de mais um estado federal brasileiro se tratasse.

A grandeza do Brasil e de Portugal é muito maior que a pequenez desse desígnio. Há muito trabalho a fazer no âmbito de uma política de língua que permita que esta não seja mais uma moeda desvalorizada. Além disso, repito pela enésima vez… é de língua que estamos a falar, embora não pareça.

Ricardo Migueis | DINÂMIA/ISCTE | Editor da Revista Autor

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Vasco Graça Moura - LUÍS FIGO E A POLÍTICA DA LÍNGUA

Este Governo não tem emenda. Continua agarrado às manifestações de fachada e a não se preocupar minimamente com o rigor e a correcção daquilo que faz ou anuncia que vai fazer.

Uma das suas vítimas favoritas é a língua portuguesa. Tem-se visto abundantemente no que respeita ao Acordo Ortográfico. Mas agora, segundo o Expresso, o Conselho de Ministros prepara-se para adoptar esta semana uma resolução lançando "as bases de uma política da língua".

Essa comovente iniciativa seria muito interessante se o Governo a tivesse feito preceder de um debate público convincente.

Mas limita-se a tomar como base um estudo coordenado pelo meu amigo Carlos Reis, cuja competência nesta matéria é, não duvido, muito superior àquela de que ele tem dado provas no tocante ao Acordo Ortográfico, mas cuja credulidade me suscita as mais sérias reservas, uma vez que, entre outras coisas, atribui a Luís Figo um papel canónico na promoção da língua portuguesa em Espanha...

O certo é que ficaríamos todos bem mais sossegados se fosse conhecida a posição do Ministério da Educação, das universidades e de outras instituições e se tivesse havido uma discussão pública séria destas e de outras análises, bem como das linhas e dos critérios enunciados para as bases de uma política da língua.

Mas o Governo tem pressa. Vem aí a CPLP e ele quer ter alguma coisa para mostrar, com o picante de pretender agora lançar as bases de uma política da língua sem auscultação dos restantes países interessados... Não tem emenda, repito.

Todavia, há coisas que, mesmo sob a égide simpática de Luís Figo, são difíceis de perspectivar e até de engolir para alguns países da CPLP.

Poderá o Governo português assentar em que Angola e Moçambique não têm "um peso internacional considerável"?

E em que é preciso esperar que o tenham para a língua portuguesa se internacionalizar?

Com isto, aceitará o Governo português que o mundo inteiro, com Angola e Moçambique à frente, se lhe ria na cara?

O Governo português, tão encrençado em TGVs, afinal estará disposto a deixar agachadamente que o Brasil seja "a locomotiva fundamental do processo" e "o grande interlocutor no universo da língua portuguesa para África"? Para África?

Poderá o Governo português tomar medidas credíveis e oportunas de uma política da língua a partir do nenhum rigor, do espírito de demissão e da patente incorrecção política e cultural de pressupostos deste tipo?

E acaso terá sido prevista alguma política para a uniformização da terminologia gramatical, depois de tudo o que se passou com a TLEBS do lado de cá? Ou caminha-se irreversivelmente para uma dupla gramática pela mão dos mesmos que tanto se eriçam com as consoantes mudas?

O mais intrigante de tudo é que está a ser desenvolvida desde há anos uma política para a língua portuguesa no mundo. A presidente do Instituto Camões descreveu-a na FLAD em 5.11.2007 (Promoção da Língua Portuguesa no Mundo, relatório da reunião de trabalho, Fundação Luso-Americana, Novembro de 2007, pp. 43-56).

Aí se desenha um conjunto de linhas de acção concreta, a que provavelmente continua a faltar uma boa dotação orçamental, ligados a uma "óptica de trabalho sobre e com a língua portuguesa: língua da comunicação, do trabalho, da ciência, da cultura, do direito e da diplomacia", na perspectiva articulada de três vectores. Resumindo muitíssimo: 1) intra-fronteiras dos países CPLP e organizações internacionais e regionais em que o português é língua de trabalho, como o espaço ACP; 2) estratégias de promoção da língua, da cultura portuguesa e das culturas em língua portuguesa, por Portugal enquanto Estado membro da UE, fazendo valer esta "como língua de oito vozes culturais"; 3) promoção da língua e cultura portuguesas por Portugal em correlação com os seus próprios interesses sociopolíticos, apostando na promoção do ensino no Magrebe, na China e na Índia, nos países da Organização dos Estados Ibero-Americanos, nos EUA e no Canadá.

Então o Governo português vai atrever-se a mandar todo este trabalho para o lixo? Ó Luís Figo, vá lá, faça sinal a esta gente de que assim ainda perde de vez o campeonato…

Vasco Graça Moura | Escritor | Diário de Notícias | 9/7/2008

domingo, 13 de julho de 2008

Peritos arrasam Acordo Ortográfico

Notícia Jornal de Notícias, 12/7/2008:
«Peritos arrasam Acordo Ortográfico
Esmagadora maioria dos linguistas, académicos e editores consultados estão contra o tratado
por Sérgio Almeida

Se a implementação do Acordo Ortográfico dependesse apenas dos resultados do processo de consulta, há muito que o projecto teria sido abandonado. Das 27 entidades contactadas, apenas duas se mostraram favoráveis.

As dúvidas e críticas severas manifestadas pelos peritos da maior parte das instituições participantes não impediram que a ratificação do Acordo seguisse o seu rumo: o tratado que visa unificar a língua portuguesa aguarda apenas a promulgação do presidente da República para tornar-se uma realidade.

Nas respostas das 14 entidades que participaram no inquérito promovido pelo Instituto Camões, abundam as críticas. Entre pedidos adicionais de informações e o desconhecimento sobre as alterações a introduzir, não faltam, também, entidades, como a Associação Portuguesa de Linguística ou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), que solicitam "a suspensão imediata do processo". Ivo Castro, responsável do Departamento de Linguística Geral e Românica, chega mesmo a questionar se o Acordo "poderá ser, com o princípio de facultatividade em que assenta, um verdadeiro instrumento de uniformização, como qualquer ortografia pretende ser".»
(ler notícia completa)

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Ricardo Migueis - O falso argumento: o Acordo Ortográfico e a expansão e afirmação internacional da língua portuguesa

A única influência efectivamente sentida no plano internacional pelas alterações introduzidas pelo Acordo Ortográfico, poderá vir exactamente da sua pior característica: o facilitismo subjacente à homogeneização com base na oralidade (brasileira, apenas). Que este facilitismo prejudicará a aprendizagem da língua já foi aqui e noutros meios exposto diversas vezes. Concentremo-nos no possível impacto do AO para a representação/presença/afirmação da língua portuguesa em fora internacionais. Ele será reduzidíssimo:
- não será por ele que a CPLP se tornará uma entidade supranacional reforçada e representativa, isso exigiria vontade política de outra natureza. O facto de a União Europeia não ter uma língua comum pode sair em caro em traduções, mas não impediu a integração política, económica e um saudável intercâmbio cultural e social;
- não colocará o português como língua oficial no Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio ou Nações Unidas, se isso vier a acontecer será em virtude do desenvolvimento económico do Brasil, que pela sua escala em número de habitantes e Produto Interno Bruto poderá ganhar peso nestas instituições;
- não será factor relevante para ajudar o Brasil a conseguir um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU;

Em recente entrevista ao jornal Expresso, o Professor Carlos Reis (Reitor da Universidade Aberta), diz, na mesma senda, que os “falantes (da língua portuguesa) são em parte integrados por povos e países que, infelizmente, contam pouco no concerto internacional”. No entanto, e ao contrário do que o mesmo adianta naquela entrevista, dificilmente se entenderá a correlação directa que ele parece querer estabelecer, entre o AO e a projecção das universidades portuguesas no exterior, seja em África, na Ásia ou em qualquer outro lado. A língua continuará a ser distinta e os factores de atractividade de alunos estrangeiros, ou de qualidade, não se prenderão certamente com a existência de uma ou duas normas ortográficas.

Acrescente-se à lista de correlações difíceis de compreender, ainda no âmbito do tão desejado objectivo de expansão e afirmação internacional da língua portuguesa, o crescimento do número de pessoas a aprender português vs Acordo Ortográfico. Se o número de aprendizes da língua portuguesa já está em crescimento, certamente não será por causa do Acordo Ortográfico, mas sim devido à afirmação internacional do Brasil e, em parte de Angola.

Parece estranho que se peça que nos olhemos isoladamente Portugal, em toda a sua “pequenez e necessária subjugação”, e de seguida se peça que Portugal tenha uma política de língua estruturada, clamando-se que esta vai em muito contribuir para a expansão da língua portuguesa. É claro que vai, mas não será por causa de qualquer AO. A política de língua precisa de ser bem definida, é fabuloso que se ande a trabalhar nela. Só é pena que nenhum dos pilares desse trabalho seja… a língua em si.

Enfim, é impossível e não desejável a unificação fonológica, morfológica, sintáxica e lexical da língua portuguesa entre todos os países da CPLP. Não será possível transformar a CPLP numa grande federação de países em que a língua falada e escrita é, de facto, unificada. Não será minimamente desejável desvalorizar as singularidades locais em prol de uma comunidade unificada por um idioma comum. As singularidades enriquecem o património comum. Por tudo isto e muito mais, o argumento que faz depender a vitalidade da língua portuguesa de um qualquer Acordo Ortográfico, é falso. Além disso, convinha reflectir um pouco sobre que língua portuguesa estão os acordistas a tentar promover...

Ricardo Migueis | DINÂMIA/ISCTE | Editor da Revista Autor

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Ramiro S. Osório - O ACORDO VAI NU?

"Meti toda a minha vida a saber desenhar como uma criança." (Picasso)

É desse modo que é preciso demonstrar que um acordo ortográfico não pode fazer o que os seus defensores dizem que pode. Talvez alguns saibam que não pode. Talvez o móbil seja outro. E andam uns mitos no ar.

"ALGUNS MITOS MENORES POSTOS À CIRCULAÇÃO" PELOS DEFENSORES DO "ACORDO":

1º MITO

"A EXISTÊNCIA DE DUPLA GRAFIA LIMITA A DINÂMICA DO IDIOMA E AS DIFERENÇAS CRIAM OBSTÁCULOS (...)"
Fonte: "Acordo Ortográfico do Português: perguntas frequentes")

Essa afirmação dos defensores não corresponde à realidade.
A DUPLA GRAFIA NÃO CRIA REAIS OBSTÁCULOS DE COMUNICAÇÃO.

NÃO HÁ ACORDO ORTOGRÁFICO QUE POSSA MELHORAR A COMUNICAÇÃO ENTRE OS 8 PAÍSES DA COMUNIDADE DE PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA

Porque:

Uma língua é um meio de comunicação.
A língua portuguesa sempre permitiu e continua a permitir - com êxito - a comunicação entre os 8 países da CPLP.
Se a comunicação não é total entre esses países, é por causa dos obstáculos criados pelas diferenças lexicais, e não pelas diferenças ortográficas.

Quando lemos um texto, a sua compreensão não se perde com os erros ortográficos: ótimo, afeto, ação, úmido.
Quando lemos um texto, a sua compreensão perde-se quando lemos: camisola, privada, cara, curtir e afinal essas palavras não significam o que significam em português e precisam (não de acordo ortográfico, mas sim:) de tradução porque nem todos vêem telenovela. No dicionário (inexistente) viria: camisa de noite, casa de banho, indivíduo, gozar.

O Embaixador de um dos países da CPLP contou-me que, há uns anos atrás, num dos países da Comunidade havia uma grande falta de livros. O Brasil enviou milhares de livros. Esses livros nunca foram distribuídos porque a leitura seria dificultada por esses livros não estarem escritos com a mesma ortografia.

Ora, se o "acordo" entrasse em vigor... O FUNDO DO PROBLEMA SUBSISTIRIA.
A ortografia não é a língua. Não interessa escrever com forma igual palavras com significados diferentes (homónimos, na realidade), quando para mais: elas serão articuladas por SINTAXES DIFERENTES, num discurso também não unificado por causa de LÉXICOS DIFERENTES.

QUER DIZER QUE – ao contrário do que dizem os seus defensores – UM ACORDO ORTOGRÁFICO NÃO MELHORARIA A COMUNICAÇÃO ENTRE OS 8 PAÍSES DA CPLP.

2º MITO

"NOS FÓRUNS INTERNACIONAIS, COMO A ONU, OS DOCUMENTOS OFICIAIS NÃO TERÃO QUE SER MAIS TRADUZIDOS PARA AS DUAS VARIANTES DA LÍNGUA LUSA, COMO ACONTECE AGORA."
(Fonte: www.gopetition.com/online/17740.html)

(Antes de mais, uma rectificação técnica:
Raio de pouca sorte, a própria frase citada precisa de tradução: "não terão que ser mais traduzidos" não é português. E "língua lusa" (também) não é terminologia portuguesa.)

AO CONTRÁRIO DO QUE AFIRMAM OS DEFENSORES DO "ACORDO", AFIRMO QUE - SE ELE FOSSE ADOPTADO - NA ONU, etc. CONTINUARIAM A SER NECESSÁRIAS DUAS VERSÕES DE TRADUÇÃO NOS DOCUMENTOS ESCRITOS (sintaxe oblige) E DUAS VERSÕES DE TRADUÇÃO ORAL (pronunciação oblige).

Falando de ONU, vem a propósito corrigir mais dois erros que muito frequentemente os defensores do "acordo" fazem (e não são os únicos).

O PORTUGUÊS NÃO É A ÚNICA LÍNGUA SEM GRAFIA OFICIAL.
NÃO É NECESSÁRIO UMA LÍNGUA TER UMA GRAFIA OFICIAL PARA PODER SER ADOPTADA COMO LÍNGUA DE TRABALHO NA ONU.

PROVA DISSO:
O padrão da ONU para os documentos escritos em língua inglesa (United Nations Editorial Manual) segue o " British usage " e o " Oxford spelling ". (1)
(Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/United_Nations

De onde se pode concluir que a língua inglesa é uma língua oficial da ONU apesar de não ter uma grafia unificada.

CONCLUSÃO:

A língua portuguesa sempre permitiu e continua a permitir - com êxito - a comunicação entre os 8 países da CPLP.
Vimos que:
1) NOS PAÍSES LUSÓFONOS, UM ACORDO ORTOGRÁFICO NÃO MELHORARIA A COMUNICAÇÃO
2) NA ONU, ETC., CONTINUARIAM A SER NECESSÁRIAS DUAS VERSÕES DE TRADUÇÃO NOS DOCUMENTOS ESCRITOS (sintaxe oblige) E DUAS VERSÕES DE TRADUÇÃO ORAL (pronunciação oblige).

ENTÃO UM ACORDO PARA QUÊ?
(É que o acordo talvez não vá nu, mas mascarado. E não me referirei neste artigo à negociata livresca, que é fresca. E mais outras que haverá).

DIZEM OS DEFENSORES QUE ASSIM O IDIOMA PORTUGUÊS ENTRARIA NA ONU.

Acontece que a petição para o "idioma" português entrar na ONU está redigida no "idioma" brasileiro (digo idioma porque idioma é a língua própria de uma nação. Assim se pode dizer que na CPLP estão presentes oito idiomas de uma língua comum).

Como Coimbra não é Oxford, nem Portugal soube prestigiar a sua língua como o Reino Unido o fez, penso que não é um processo de intenção prever que, no futuro, a "mais-valia" dos milhões que o Brasil representa faça que a língua internacional – com ou sem "acordo" - seja o brasileiro e não o português. MAIS UMA RAZÃO PARA SER CONTRA O ACORDO.

Se no futuro, tivermos de falar brasileiro para sermos entendidos "lá fora", mais uma razão para lutar para podermos continuar a falar e a escrever português "cá dentro" (by the way, eu sou o autor deste conceito que irmanou Portugal ao "lá fora").

Se o pretendente ao Conselho de Segurança da ONU é o Brasil, por que é que o Brasil não leva para a ONU o “português do Brasil" (como lá se diz) e nós (e outros países da Comunidade, se assim o entenderem) continuamos com o português? É para nos pouparem que não nos transformemos numa língua morta? Alguém pode pensar que é por decreto que uma língua não envelhece e não morre? Quem acredita que foi por não compactuar com um "acordo" que o grego clássico e o latim morreram?

Claro que não posso terminar sem aqui deixar claro o seguinte:
O problema "ACORDO" transformou-se em matéria melindrosa. Em vez da unificação proclamada pelos seus defensores, vejo criarem-se abismos entre amigos brasileiros e portugueses, tal como entre amigos portugueses. É-me doloroso porque sou brasileirófilo e português.


(1) Deixo esta nota de roda pé porque considero interessante ver como países saxónicos podem ser mais ciosos da etimologia grega e latina do que alguns países latinos.

Oxford spelling (or Oxford English spelling) is the spelling used in the editorial practice of the Oxford English Dictionary (OED) and other English language dictionaries based on the OED, for example the Concise Oxford English Dictionary, and in academic journals and text books published by Oxford University Press. In digital documents, the use of Oxford spelling can be indicated with the language tag en-GB-oed.
Oxford spelling follows British spelling in combination with the suffix -ize instead of -ise. For instance, organization, privatize and recognizable are used instead of organisation, privatise and recognisable. In the last few decades, the suffix -ise has become the usual spelling in the UK. Therefore, many people incorrectly regard -ize as an Americanism, although the form -ize has been in use in English since the 16th century. [1] The use of -ize instead of -ise does not affect the spelling of words ending in -yse, which are spelt analyse, paralyse and catalyse in line with standard British usage.
In the Oxford English Dictionary, the choice to use -ize instead of -ise is defended as follows: "[...] some have used the spelling -ise in English, as in French [...] But the suffix itself, whatever the element to which it is added, is in its origin the Greek -izein, Latin -izare; and, as the pronunciation is also with z, there is no reason why in English the special French spelling should be followed, in opposition to that which is at once etymological and phonetic. In this Dictionary the termination is uniformly written -ize."
(Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Oxford_spelling)

Ramiro S. Osório | Utente da língua e escritor